TRATAMENTOS ESTÉTICOS E CUIDADOS DOS CABELOS
TRATAMENTOS ESTÉTICOS E CUIDADOS DOS CABELOS: UMA VISÃO MÉDICA.
Autoria
Leonardo Spagnol Abraham Especialista em Dermatologia pela Sociedade Brasileira de Dermatologia
Andreia Mateus Moreira Mestre em Dermatologia pela UFRJ
Larissa Hanauer de Moura Especialista em Dermatologia pela Sociedade Brasileira de Dermatologia
Maria Fernanda Reis Gavazzoni Doutora e Mestre em Dermatologia pela UFRJ
Flávia Alvim Sant’Anna Addor Mestre em Dermatologia – FMUSP; Professora associada – Serviço de Dermatologia – UNISA
RESUMO
Neste artigo, os autores complementam o primeiro trabalho sobre a pesquisa dermatológica dos tratamentos estéticos capilares. O alisamento capilar definitivo com os principais alisantes legalizados – hidróxidos de sódio e lítio, hidróxido de guanidina e tioglicolato de amônio –, suas diferenças, mecanismos de ação, indicações e segurança para a saúde são aqui abordados. O artigo ainda discute sobre o uso ilegal e indiscriminado de produtos do grupo dos aldeídos (formaldeído e glutaraldeído) nos salões de cabeleireiro no Brasil, suas implicações legais e em saúde pública, sua carcinogenicidade e a identificação dos referidos registros junto à ANVISA. Também são estudados os xampus e agentes condicionadores indicados para tratamento da haste capilar. Ao final, são discutidas as implicações dos tratamentos capilares em geral, para a saúde do fio e do couro cabeludo.
ALISAMENTO E PERMANENTE
Alisamento
Consiste na quebra, temporária ou permanente, das ligações químicas que mantêm a estrutura tridimensional da molécula de queratina em sua forma rígida original. Estas são divididas em ligações fortes (pontes dissulfeto) e ligações fracas (pontes de hidrogênio, forças de Van der Waals e ligações iônicas). As forças fracas são quebradas no simples ato de molhar os cabelos. As ligações químicas mais fracas resultam da atração de cargas positivas e negativas. Existem os alisamentos temporários, que utilizam técnicas físico-químicas, como o secador e a piastra (“chapinha”), e também a técnica do “hot comb”. Temporários, pois duram até a próxima lavagem. Necessitam que os cabelos sejam previamente molhados, para que ocorra a quebra das pontes de hidrogênio no processo de hidrólise da queratina, permitindo, assim, a abertura temporária de sua estrutura helicoidal. Com isso, o fio fica liso. A desidratação rápida com o secador mantém a forma lisa da haste. A aplicação da prancha quente molda as células da cutícula (escamas), como se as achatasse paralelamente à haste. O fio adquire aspecto liso e brilhante, por refletir mais a luz incidente.1
Os alisamentos definitivos visam romper as pontes dissulfeto da queratina. Podem ser à base de hidróxido de sódio, lítio e potássio, hidróxido de guanidina (hidróxido de cálcio mais carbonato de guanidina), bissulfitos e tioglicolato de amônia ou etanolamina, que utilizam reações químicas de redução.2,3
HIDRÓXIDOS
O hidróxido de sódio ou lítio e o hidróxido de guanidina (compõe-se de carbonato de guanidina e hidróxido de cálcio) são os mais potentes e destinam-se, em geral, aos cabelos afroétnicos. O primeiro é utilizado em concentrações que variam de 5 a 10%, com pH de 10 a 14%, promovendo os resultados mais dramáticos - e isso é o que mais danifica o cabelo. Já o hidróxido de guanidina é menos potente que o hidróxido de sódio, mas, mesmo assim, ainda apresenta alto potencial de danos à fibra. Ele age promovendo a quebra das pontes dissulfeto da queratina, em um processo denominado “lantionização”, que é a substituição de um terço dos aminoácidos de cistina por lantionina. O cabelo é composto por aproximadamente 15% de cistina.4 Utiliza pH alcalino (entre 9 e 14), que causa intumescimento da fibra e permite a abertura da camada exterior, a cutícula, para que o alisante nela penetre e também na camada seguinte, o córtex. Após, aplica-se uma substância que acidifica o pH, interrompendo o processo e voltando a fechar as pontes dissulfeto no novo formato desejado do fio. Em geral, usam-se xampus ácidos com esse fim (pH entre 4,5 e 6,0).
TIÓIS
O tioglicolato de amônio ou de etanolamina pertence à família dos “tióis” e é o mais utilizado no Brasil. É bem menos potente do que o hidróxido de sódio e, em geral, mais suave do que a guanidina. É o que tem o maior custo entre todos os alisantes. Sua concentração depende do pH da solução de amônia. Se utilizarmos uma solução de tioglicolato a 6% em pH 9,8, teremos o mesmo poder de ação de uma solução a 10% em pH 9,35, porém a primeira solução é potencialmente mais irritante e, em função da maior concentração de amônia, tem um odor muito mais desagradável. Na maioria dos casos, utilizamos uma solução entre 7,5 e 11% em pH entre 9-9,3. Pode-se aplicar esse produto no cabelo seco (preferencialmente) ou úmido. A concentração deve ser escolhida de acordo com o tipo do cabelo (Tabela I).4
Atualmente, o tioglicolato é o mais procurado para alisamento de cabelos caucasianos. Ele quebra as pontes dissulfeto dos aminoácidos de cistina, o que gera a formação de duas cisteínas para cada cistina. Por meio desse processo, a queratina sofre edema, tornando-se maleável para ser enrolada (permanente) ou alisada.
No permanente, utilizam-se rolos chamados “bigodins ou bobes” e, no alisamento, secamse os fios com secador e, em seguida, aplica-se a prancha quente para esticá-los. Um maior alisamento é obtido com a aplicação da prancha quente em mechas bem finas. Após, os cabelos são lavados com água corrente e neutraliza-se o tioglicolato com a aplicação de um agente oxidativo, em geral contendo peróxido de hidrogênio. Então, o processo químico é interrompido, com os fios sendo permanentemente mantidos no novo formato. O processo completo pode durar até sete horas, caso o cabelo seja pranchado em mechas finas. O chamado “relaxamento” é a aplicação do tioglicolato sem o uso da prancha. O processo é mais rápido, porém o efeito liso é menos dramático. Em cabelos quimicamente tratados, há de se proceder a uma aplicação do tioglicolato em uma mecha teste antes do início do processo, a fim de se verificar a resistência dos cabelos ao produto. A aplicação de coloração permanente ou tonalizante pode ocorrer cerca de 15 dias após o alisamento. Deve-se ter em mente que cabelos alisados tornam-se mais suscetíveis à química, especialmente ao clareamento. O tioglicolato não é compatível com os hidróxidos e a aplicação simultânea dos produtos sobre a mesma área acarretará na tonsura do pelo.
LED
LED é a sigla em inglês para Light Emitting Diode, ou Diodo Emissor de Luz. O LED é um diodo semicondutor (junção P-N) que, quando energizado, emite luz visível. A luz é monocromática e é produzida pelas interações energéticas do elétron. O processo de emissão de luz pela aplicação de uma fonte elétrica de energia é denominado “eletroluminescência”. Em qualquer junção P-N polarizada diretamente, dentro da estrutura, próximo à junção, ocorrem recombinações de lacunas e elétrons. Essa recombinação exige que a energia possuída por esse elétron, que até então era livre, seja liberada, o que ocorre na forma de calor ou fótons de luz. Existem técnicas do uso de tioglicolato associado à aplicação de LED nos cabelos já submetidos à aplicação do alisante. A proposta é que a luz ajudaria na penetração do tioglicolato, além de, por si só, gerar quebras nas pontes dissulfeto da queratina, o que possibilitaria o uso de concentrações menores do alisante, com menos danos ao fio e mais poder de alisamento. Na literatura médica, faltam estudos que comprovem tal resultado e justifiquem cientificamente o uso da LED em conjunto com o tioglicolato.
FORMALDEÍDOS
O uso de formol para alisamento capilar tornou-se frequente, pois, além de mais barato, é um processo rápido e que deixa os fios com brilho intenso. Na verdade, o formol é o formaldeído em solução a 37%, cuja venda em farmácias é proibida. A solução é empiricamente misturada à queratina líquida, que consiste em aminoácidos carregados positivamente e ao creme condicionador. O produto final é aplicado aos fios e espalhado com o auxílio de um pente. Em seguida, utilizam-se secador e piastra. O formaldeído se liga às proteínas da cutícula e aos aminoácidos hidrolizados da solução de queratina, formando um filme endurecedor ao longo do fio, impermeabilizando-o e mantendo-o rígido e liso (Figura 1). O efeito é o mesmo da calda da maçã do amor: por fora, lindo e brilhante, mas, por dentro, desidratado e quebradiço ((Figura 2). O fio torna-se suscetível à fratura, em consequência dos traumas normais do dia a dia, como pentear e prender os cabelos. O problema maior é que o formol é volátil e, depois de aquecido, uma maior quantidade é inalada tanto por quem aplica como por quem se submete ao tratamento. O formol é permitido no mercado de cosméticos em concentração de até 0,2% como conservante e 5% como endurecedor de unhas (ANVISA - Legislação em vigor: Formaldeído como conservante: Resolução RDC nº 162, de 11 de setembro de 2001, e Formaldeído como endurecedor de unhas: Resolução RDC nº 215, de 25 de julho de 2005), mas seu uso como alisante não é permitido devido à volatização. Recentemente, emitiuse uma nova resolução proibindo seu uso com esse fim (ANVISA - Resolução RDC nº 36, de 17 de junho de 2009). Para atingir o efeito alisante, o formaldeído deverá ser empregado em concentrações de 20 a 30%, o que é totalmente vetado.
O glutaraldeído é um dialdeído saturado, ligeiramente ácido em seu estado natural, que vem sendo utilizado como alisante desde a proibição do formol. É um líquido claro, encontrado em solução aquosa a 50%. Após ativação com bicarbonato de sódio para tornar a solução alcalina, o líquido torna-se verde. No Brasil, após diluição, é comercializado como esterilizante e desinfetante de uso hospitalar em concentrações a 2%. O glutaraldeído (glutaral) é um conservante relativamente comum em cosméticos, e pode ser usado em concentrações de até 0,2%. Sua atividade se deve à alquilação de grupos sulfidrila, hidroxila, carboxila e amino, alterando DNA, RNA e síntese de proteínas. A mutagenicidade do glutaraldeído é extremamente similar àquela do formaldeído. A exposição por inalação ao glutaraldeído e ao formaldeído resulta em danos aos tecidos do trato respiratório superior. O glutaraldeído é de seis a oito vezes mais forte do que o formaldeído para produzir ligações cruzadas na proteína do DNA e cerca de dez vezes mais intenso do que o formaldeído na produção de danos teciduais no interior do nariz após a inalação. A Internacional Agency for Research on Câncer (IARC) classifica a substância no grupo 2A, ou seja, como provável carcinógeno humano. Já a New Zealand Nurses Organization considera o glutaraldeído neurotóxico, levando à perda de memória e à dificuldade de concentração, além de cansaço e fadiga.
RISCOS DOS FORMALDEÍDOS
O risco do formol em sua aplicação indevida é tanto maior quanto maiores a concentração e a frequência do uso, e ocorre pela inalação dos gases e pelo contato com a pele, sendo perigoso para profissionais que aplicam o produto e também para usuários (Tabela II).
A inalação desse composto pode causar irritação nos olhos, nariz, mucosas e trato respiratório superior. Em altas concentrações, pode causar bronquite, pneumonia ou laringite.
Os sintomas mais frequentes no caso de inalação são fortes dores de cabeça, tosse, falta de ar, vertigem, dificuldade para respirar e edema pulmonar. O contato com o vapor ou com a solução pode deixar a pele esbranquiçada, áspera e causar forte sensação de anestesia e necrose na pele superficial.
Longos períodos de exposição podem causar dermatite e hipersensibilidade, rachaduras na pele (ressecamento) e ulcerações principalmente entre os dedos; podem ainda causar conjuntivite.
O vapor de formaldeído irrita todas as partes do sistema respiratório superior e também afeta os olhos. A maioria dos indivíduos pode detectar o formol em concentrações tão baixas como 0,5 ppm e, à medida que for aumentando a concentração até o atual limite de Exposição Máxima, a irritação é mais pronunciada.
Medições das concentrações de formaldeído no ar em laboratórios de anatomia no ar têm apontado níveis entre 0,07 e 2,94 ppm (partes por milhão). Em ambientes nos quais se usa a substância, não pode haver mais do que 0,019 mg/m3 no ar e certamente após o aquecimento os níveis excedem esse limite.
A CARCINOGENICIDADE - avaliação do potencial cancerígeno - do formol foi investigada por quatro instituições internacionais de pesquisa e o produto foi classificado em 1995 pela Agência Internacional de Pesquisa em Câncer (IARC) como carcinogênico para humanos (Grupo 1, julho 2004), tumorigênico e teratogênico, por produzir efeitos na reprodução para humanos. A Agência de Proteção Ambiental (EPA) e a Associação de Saúde e Segurança Ocupacional (OSHA), dos Estados Unidos, consideram que o agente é suspeito de causar câncer para humanos. O Programa Nacional de Toxicologia dos EUA (Fourth Annual Report on Carcinogens) de 1984 considerou que o formaldeído é um agente cancerígeno nas seguintes doses para ratos: via oral, 1.170 mg/kg; via dérmica, 350 mg/kg; e via inalatória, 15 ppm/6 horas.8
Os alisantes são produtos registrados como cosméticos de grau de risco 2 junto à ANVISA, ou seja, necessitam de registro para comercialização. Entretanto, uma prática clandestina e atualmente considerada proibida é a adição de formol ou mesmo glutaraldeído a esses produtos, visando ampliar a capacidade alisante.
Para saber se um produto é registrado como cosmético grau 2, basta acessar o site da ANVISA, utilizando o seguinte caminho: http://www7.anvisa.gov.br/datavisa/Consulta_ Produto/consulta_cosmetico.asp. Por meio do nome comercial ou do número de registro que consta no rótulo, é possível saber se o produto é clandestino ou não. Esse número inicia com o algarismo 2, e tem nove ou 13 algarismos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS SOBRE OS ALISANTES
O fio, uma vez alisado pela aplicação de guanidina ou hidróxido de sódio, não pode ser alisado novamente, pois há risco de se partir. Já quando é utilizado o tioglicolato, recomenda- se que somente o fio novo seja alisado, porém, caso seja utilizada uma concentração baixa, é necessária uma nova aplicação cuidadosa, sempre testando uma mecha de cabelos antes do processo total. O cabelo alisado só pode voltar a ser submetido a um processo de alisamento com a mesma substância inicialmente usada. O alisamento deve ser feito pelo menos de duas a quatro semanas antes da coloração.
A escova progressiva (sem formol) consiste na aplicação de tioglicolato a cada quatro meses, aproximadamente, para um efeito alisante progressivo. Já a “escova japonesa” é a aplicação do tioglicolato em alta concentração para um alisamento rápido em apenas uma sessão. Os alisantes não devem ser aplicados diretamente no couro cabeludo - para os mais potentes, como o hidróxido de sódio, deve-se proteger a pele com aplicação prévia de óleos ou vaselina.